O objetivo desta visão histórica é:
- SITUAR nossa evangelização em continuidade com a que foi realizada nos últimos cinco séculos e cujos fundamentos ainda perduram, depois de ter dado origem a um radical substrato católico na AL. Este substrato se revigorou ainda mais depois do Concílio Vaticano II e da II Conferência geral do Episcopado celebrada em Medellin, com a consciência, cada vez mais clara e mais profunda, que tem a Igreja de sua missão fundamental: a evangelização.
- EXAMINAR, com visão de pastores, alguns aspectos do atual contexto sócio-cultural em que a Igreja realiza sua missão e, outrossim, a realidade pastoral que hoje se apresenta à evangelização, com suas projeções para o futuro.
CONTEÚDO
Título I. Visão histórica:
os grandes momentos da Evangelização na AL.
Título II. Visão pastoral do contexto
sócio-cultural.
Título III. Realidade pastoral da AL, hoje.
Título IV . Tendências atuais e evangelização
no futuro.
Capítulo
I
VISÃO HISTÓRICA DA REALIDADE
LATINO-AMERICANA
OS GRANDES MOMENTOS DA EVANGELIZAÇÃO NA AMÉRICA LATINA
3. A Igreja recebeu a missão de levar aos homens a Boa Nova. Para realizar eficazmente esta missão, a Igreja sente a necessidade de conhecer o povo latino-americano em seu contexto histórico, com suas variadas circunstâncias. É mister que este povo continue a ser evangelizado como herdeiro de um passado, como protagonista do presente, como construtor de um futuro, como peregrino em busca do Reino definitivo.
4. A evangelização é a missão própria da Igreja. A história da Igreja é, fundamentalmente, a história da evangelização de um povo que vive em constante gestação, nasce e se enxerta na existência secular das nações. A Igreja, ao encarnar-se, contribui vitalmente para o nascimento das nacionalidades e imprime-lhes profundamente um caráter particular. A evangelização está nas origens deste Novo Mundo que é a AL. A Igreja faz-se presença nas raízes e na atualidade do Continente. Quer servir, dentro do quadro da realização de sua missão própria, ao melhor porvir dos povos latino-americanos, à sua libertação e crescimento em todas as dimensões da vida. Medellin já lembrava as palavras de Paulo VI sobre a vocação da AL: "Unificar, em uma síntese nova e genial, o antigo e o moderno, o espiritual e o temporal, o que os outros nos legaram e nossa própria originalidade" (Med. intr. 1).
5. A AL forjou, na confluência, por vezes dolorosa, das mais diversas raças e culturas, uma nova mestiçagem de etnias e formas de existências e pensa mento que permitiu a gestação de uma neva raça, depois de vencidas as duras separações que precederam.
6. A geração de um povo e de uma cultura é sempre dramática: luzes e sombras a envolvem. A evangelização, como tarefa humana, está submetida às vicissitudes da história, mas busca sempre transfigurá-las com o fogo do Espírito, no caminho de Jesus Cristo, centro e sentido da história universal e da de todos e cada um dos homens. Sob o aguilhão das contradições e dilacerações dos tempos da colonização e no meio de um agigantado processo de dominações e culturas ainda não encerrado, a evangelização constituinte da AL é um dos capítulos relevantes da história da Igreja. Em face de dificuldades tão desmedidas quanto inéditas, ela respondeu com uma capacidade criadora cujo alento sustenta viva a religiosidade popular da maioria de nossos povos.
7. Nosso radical substrato católico, com suas formas vitais de religiosidade vigente, foi estabelecido e dinamizado por uma imensa legião missionária de bispos, religiosos e leigos. Em primeiro plano, temos as realizações de nossos santos, como Turíbio de Mogrovejo, Rosa de Lima, Martinho de Porres, Pedro Claver, Luís Beltran e outros. Ensinam-nos todos que, superadas as debilidades e a covardia dos homens que os cercavam e às vezes os perseguiam, o Evangelho, em sua plenitude de graça e de amor, foi e pode ser vivido na AL como sinal da grandeza espiritual e da verdade de Deus.
8. Intrépidos lutadores em prol da justiça e evangelizadores da paz como Antônio de Montesinos, Bartolomeu de Ias Casas, João de Zumárraga, Vasco de Quiroga, João dal Valle, Julião Garcés, José de Anchieta, Manuel da Nóbrega e tantos outros que defenderam os índios perante os conquistadores e encomenderos até com a própria morte, como o bispo Antônio Valdivieso, demonstram, com a evidência dos fatos, como a Igreja faz a promoção da dignidade e da liberdade do homem latino-americano. Esta realidade foi reconhecida com gratidão pelo Santo Padre João Paulo II, ao pisar pela primeira vez as terras do Novo Mundo, quando se referiu "àqueles religiosos que vieram anunciar Cristo Salvador, defender a dignidade dos indígenas, proclamar seus direitos invioláveis, favorecer sua promoção integral, ensinar aos habitantes do Novo Mundo a fraternidade que teriam de viver como homens e como filhos de um mesmo Deus que é o Senhor e Pai" (João Paulo II, Discurso em sua chegada a S. Domingos, AAS LXXI p. 154, 25-1-1979 ).
9. A obra evangelizadora da Igreja da AL é o resultado do esforço unânime de missionários de todo o povo de Deus. Aí estão as incontáveis iniciativas de caridade, assistência, educação e, de modo exemplar as originais sínteses de evangelização e promoçâo humana das missões franciscanas, agostinianas, dominicanas, jesuíticas, mercedárias e outras. Aí estão a generosidade e o sacrifício evangélico de muitos cristãos, em que, por sua abnegação e oração, a mulher teve papel essencial. Aí está a criatividade na pedagogia da fé - a vasta rede de recursos que conjugava todas as artes, desde a música, o canto e a dança, até à arquitetura, à pintura e ao teatro. Toda esta capacidade pastoral está associada a um momento de grande reflexão teológica e a uma dinâmica intelectual que dá vida e impulso a universidades, escolas, dicionários, gramáticas, catecismos em diversas línguas indígenas e aos mais significativos relatos históricos sobre as origens de nossos povos. E está. associada igualmente a uma extraordinária proliferação de confrarias e ìrmandades de leigos que chegam a ser a alma e a espinha dorsal da vida religiosa dos crentes e a fonte remota, mas fecunda, dos atuais movimentos comunitários da Igreja latino-americana.
10. É certo que a Igreja, em seu labor apostólico, teve de suportar o peso dos desfalecimentos, das alianças com os poderes da terra, de uma visão pastoral incompleta e da força destruidora do pecado: mas não é menos certo - e forçoso é reconhecê-lo! - que a evangelização que transforma a AL no "Continente da Esperança" tem sido muito mais poderosa do que as sombras que lamentavelmente a acompanharam no interior do contexto histórico onde lhe coube viver. Para nós, cristãos de hoje, isto será um desafio, a fim de sabermos estar à altura do melhor de nossa história e de termos a capacidade de responder aos desafios deste nosso tempo latino-americano, com fidelidade criadora.
11. Aquela fase da evangelização, tão decisiva na formação da AL, após um ciclo de estabilização, cansaço e rotina, foi seguida pelas grandes crises do século XIX e dos começos do nosso. Estas provocavam perseguições e grandes amarguras na Igreja, que esteve submetida a enormes incertezas e a conflitos que a abalaram até aos fundamentos. Superando esta prova tão dura, ela conseguiu, com potente esforço, reconstruir-se e sobreviver. Hoje em dia, sobretudo a partir do Concílio Vaticano II, a Igreja se foi renovando, pouco a pouco com autêntico dinamismo evangelizador e captando as necessidades e as esperanças dos povos latino-americanas. A energia que convocou seus bispos a Lima, ao México, à cidade do Salvador na Bahia e a Roma manifesta-se ativa nas Conferências do Episcopado Latino-Americano do Rio de Janeiro e de Medellin, que ativaram as suas energias e a prepararam para os desafios do futuro.
12. Sobretudo a partir de Medellin, tem conseguido a Igreja uma nítida consciência de sua missão e tem-se aberto com lealdade ao diálogo. Por isso vem perscrutando os sinais dos tempos e está generosamente disposta a evangelizar, a fim de contribuir para a construção de uma sociedade nova, mais justa e mais fraterna, que é uma clamorosa exigência dos nossos povos.
Deste modo, a tradição e o progresso, que antes pareciam antagônicos na AL, enfrentando-se mutuamente, conjugam-se hoje em busca de uma nova síntese, que irmane as possibilidades do porvir com as energias que provêm de nossas raízes comuns. Destarte, neste vasto movimento de renovação que inaugura uma época nova, no meio dos desafios recentes, retomamos nós, pastores, a tradição secular dos bispos do Continente e nos preparamos para levar, com esperança e fortaleza, a mensagem da salvação evangélica a todos os homens, preferentemente aos mais pobres e esquecidos.
13. Através de uma rica experiência histórica, cheia de luzes e de sombras, a grande missão da Igreja tem sido seu compromisso na fé com o homem da AL: para sua salvação eterna, para sua superação espiritual e plena realização humana.
14. Movidos pela inspiração que vem dessa grande missão de ontem, queremos aproximar-nos, com olhos e coração de pastores e cristãos, da realidade do homem latino-americano de hoje, para interpretá-lo e compreendê-lo, a fim de analisarmos nossa missão pastoral partindo desta mesma realidade.